terça-feira, 27 de novembro de 2012

I Seminário Internacional de Ensino de Arte - Cultura visual, Escola e Cotidiano



Na manhã de quinta-feira (22/11) o projeto Teatro do Oprimido na Comunidade compareceu ao I Seminário Internacional de Ensino de Arte para apresentar um relato da pesquisa e da extensão. Na sala de comunicações diversas áreas de artes estavam presentes, dentre elas destaca-se a presença dos acadêmicos da música licenciatura mostrando como se dava o ensino de música para séries iniciais (já que agora virou lei). O diálogo entre as áreas foi bastante enriquecedor para nos conhecermos e inter-relacionarmos nossas práticas. Abaixo está o artigo que foi publicado nos anais do referente evento.
 

TEATRO DO OPRIMIDO PARA FORMAÇÃO E AUTOFORMAÇÃO DE SUJEITOS

BARROS, Graziele Soares de¹; DIAS, Mauricio Mezzomo²; SILVEIRA, Fabiane Tejada da³.

¹Acadêmica de Teatro – Licenciatura/UFPEL; ²Acadêmico de Teatro – Licenciatura/UFPEL; ³Professora Adjunto no Curso de Teatro – Licenciatura – CeArt/UFPEL.

Resumo:
Este trabalho relata o estado da pesquisa realizada pelos sujeitos envolvidos no projeto de extensão Teatro do Oprimido na Comunidade. O projeto iniciado em 2010 tem como objetivo pesquisar a formação dos alunos de Teatro-Licenciatura envolvidos, e a autoformação dos mesmos e dos demais sujeitos engajados. Atualmente são oferecidas oficinas de Teatro do Oprimido na comunidade Z3 para crianças de 12 a 15 anos.

Nossa pesquisa tem como base a experiência no Projeto de Extensão Teatro do Oprimido na Comunidade (TOCO), que leva oficinas de teatro para bairros periféricos da cidade de Pelotas. A partir deste projeto buscamos a relação entre o Teatro do Oprimido – técnica teatral elaborada por Augusto Boal para democratização do teatro – e a formação e autoformação dos sujeitos envolvidos.
Quando discutimos o conceito de formação em nosso estudo, nos referimos à formação de professores de teatro, pois os acadêmicos ministrantes das oficinas nos bairros, estudam no Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel. O conceito de autoformação é trabalhado a partir das reflexões feitas com os acadêmicos e os demais sujeitos envolvidos com o teatro que participam do projeto nos bairros.
Augusto Boal pretende um teatro do Oprimido, que seja “[...] DOS oprimidos, PARA os oprimidos, SOBRE os oprimidos e PELOS oprimidos [...]” (BOAL, 2011, p.30). Isso que Boal propõe já nos mostra uma grande preocupação com as biografias dos sujeitos - que são produtores de um teatro que os revela - e um grande interesse na apropriação das técnicas do fazer teatral por esses, sejam eles atores ou não atores. O teatro do oprimido não é apenas mais uma forma de arte, mas um projeto de emancipação de vidas.
Boal quer dar a todos o direito da ação no teatro, ou seja, fazer com que espectadores não mais sejam apenas passivos perante a cena. Ao colocarmos biografias em ação, em um mesmo espaço e tempo - com o intuito dos sujeitos refletirem-se na própria ação - já estamos provocando o processo de formação e autoformação. Nas oficinas ministradas pelo TOCO procuramos, a partir da sensibilização corporal, compartilhar experiências teatrais e de vida. Quase nunca precisamos correr atrás das opressões, elas surgem espontaneamente através do contar-se na ação, ou como diria Gianni Rodari, “com as estórias e os procedimentos fantásticos para produzi-las, estamos ajudando as crianças a entrar na realidade muito mais pela janela que pela porta. É mais divertido, e [sic], portanto mais útil.” (RODARI, 1982, p.30) O que propomos a maioria das vezes é fazer com que os participantes da oficina tenham a oportunidade de entrar na realidade através da janela, ou seja, de forma indireta, mais prazerosa do que pela porta.
Nosso objetivo é proporcionar a elaboração de narrativas pessoais provocadas pela prática do Teatro do Oprimido e através delas identificar os pressupostos teórico-metodológicos que fazem interface com teatro e educação e, desta forma, enriquecer os conhecimentos produzidos na área das pesquisas autoformativas - pensando sempre que a formação do sujeito se dá a partir da tomada de consciência de si no próprio processo, ou seja, a formação não é um produto acabado. Nossos sujeitos são os futuros professores de teatro e os participantes das comunidades atingidas pelo projeto TOCO.
No início do trabalho da extensão na comunidade criamos um ambiente propício para a construção de saberes e de conhecimentos, para que a todo tempo, enquanto estamos em atividade teatral os sujeitos façam a relação com o que vivem e com o que viveram, buscando com tais atividades cênicas que os sujeitos reflitam sobre o processo de autoformação. A pesquisa qualitativa, com observação participante e coleta de narrativas, orais e escritas, das pessoas envolvidas nos projetos, nos pareceu o melhor método para identificar quais foram as relações feitas pelos sujeitos da pesquisa, já que a narrativa proporciona a produção do saber, e não seu consumo.
Trabalhamos com pesquisa bibliográfica durante todo o processo de desenvolvimento das oficinas nas comunidades, tendo em vista que os sujeitos, futuros professores envolvidos com a pesquisa, utilizam este referencial teórico para construir suas relações com a prática da comunidade. Essa metodologia possibilita que a partir de nossas reflexões pessoais sobre nossa práxis possamos dar novos significados ao que aprendemos, tornando ressignificado o conhecimento.

o método autobiográfico tem-se mostrado como opção e alternativa às disciplinas das ciências humanas, para fazer mediação entre a história individual e a história social, visto que, “o seu caráter essencial, é a sua historicidade profunda, a sua unicidade” ao afirmar que toda práxis humana é reveladora das apropriações que os indivíduos fazem das relações e das próprias estruturas sociais, para ele podemos conhecer o social a partir da especificidade irredutível de uma práxis individual. (MOURA apud. SILVEIRA, 2010, p.2)

Para produzir as reflexões autobiográficas utilizamos de narrativas orais e escritas, pois tanto uma quanto outra têm seu valor enquanto produção de saberes. O saber científico se dá através de conceitos escritos, já o saber popular através das narrativas orais, ambos formam os sujeitos e promovem reflexões. “Saber narrar é não apenas exercício de memória, mas é também estimular a tomada de posição” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991, p. 28). A narrativa provoca a reflexão e pode ser compreendida também como uma forma de ação.
O projeto TOCO existe desde 2010 e surgiu da vontade de acadêmicos da Licenciatura em Teatro de colocar na prática os ensinamentos de Boal. Desde então o projeto já passou por duas comunidades: Dunas e Z3. Foi em 2011 então que se criou o Grupo de Estudos e Pesquisas em Teatro, Educação e Práxis Social, para que pudéssemos criar um material bibliográfico sobre nossas atuações. Dentro dessa temática surgiu a pesquisa sobre formação e autoformação dos sujeitos relacionados ao projeto. Atualmente trabalhamos na comunidade da Z3 atendendo a crianças de 12 a 15 anos que têm interesse em fazer teatro.
Dentro de nossas oficinas trabalhamos com as técnicas de Augusto Boal, mas também com outros autores teatrais, fazendo com que metodologias diferentes tenham o mesmo objetivo: torná-los sujeitos da ação. Isso porque procuramos desenvolver o que Boal (2011) chama de “plano geral da conversão do espectador em ator”, que conta com 4 etapas: conhecimento do corpo, tornar o corpo expressivo, o teatro como linguagem e o teatro como discurso. Isso porque acreditamos que a consciência corporal e lúdica faz com que as pessoas reflitam sobre sua realidade, sem que seja necessário explicitarmos essa busca, tornando o processo orgânico e natural.
Dentro de nossos referenciais teóricos encontramos também Paulo Freire e a educação popular como eixo norteador. Um de seus ensinamentos válidos em nossa prática é o uso da cultura que o sujeito nos traz. Dessa forma nossas oficinas se dão de acordo com a vontade dos envolvidos no processo, que coincidem com os nossos objetivos. Nesse projeto não buscamos uma cartilha fechada de metodologias prontas para serem aplicadas, não utilizamos os chamados “pacotes” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991), muito pelo contrário organizamos o saber de acordo com as oficinas. “Esse saber organizado se compõe a partir de situações de reconhecimento.” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991, p. 27).
Além disso, para nós acadêmicos esse é um projeto rico, pois agrega: teoria, prática sobre a teoria e experiência de vida. É esse o diferencial do projeto e o que faz com que nós também sejamos sujeitos da ação, pois não estamos inseridos como meros transmissores de conhecimentos, se não que também estamos em constante aprendizado e autoconhecimento. Como diz Freire em seu livro A Pedagogia da Autonomia (1996): “Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”(p.47).
O TOCO é um projeto que está em andamento e que ainda tem muitos caminhos a percorrer. Isso porque o processo de formação e autoformação dos sujeitos pelas técnicas do oprimido precisam de tempo para reconhecimentos, reflexão e ação. Ainda nesse projeto precisamos ir à busca de maior referencial teórico para auxiliar-nos em nossa prática. Também é necessário um tempo maior com o grupo o qual estamos trabalhando na Z3 para que seja possível o levantamento de dados referente à pesquisa com aqueles sujeitos.
O trabalho do TOCO é comprometido com o trabalho na comunidade e visa à promoção de meios para a formação de sujeitos capazes de se pensarem no mundo, de agirem e promoverem transformação social. Através da metodologia que nos apropriamos, buscamos formar sujeitos a partir de suas histórias de vida. Ao narrar-se em ação o sujeito se percebe e se transforma. Deparando-se com outras histórias que convergem, e ao mesmo tempo, divergem da sua, o ser da ação promove sua própria formação. O processo onde se encontram educadores e educandos em um mesmo tempo e espaço, trazendo para esse suas autobiografias, é inevitavelmente formador e autoformador para ambos.

REFERÊNCIAS

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer – Teoria e Prática em Educação Popular. Petrópolis: Vozes, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996
SILVEIRA, Fabiane Tejada da. Revisitando pressupostos histórico-filosóficos para pensar a pesquisa autobiográfica nos processos formativos. In: Anais do VI CICLO DE ESTUDOS – EDUCAÇÃO E FILOSOFIA: TEM JOGO NESSE CAMPO?, UFPel -Pelotas, 2010.
RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982.

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