Na
manhã de quinta-feira (22/11) o projeto Teatro do Oprimido na Comunidade
compareceu ao I Seminário Internacional de Ensino de Arte para apresentar um
relato da pesquisa e da extensão. Na sala de comunicações diversas áreas de
artes estavam presentes, dentre elas destaca-se a presença dos acadêmicos da
música licenciatura mostrando como se dava o ensino de música para séries
iniciais (já que agora virou lei). O diálogo entre as áreas foi bastante
enriquecedor para nos conhecermos e inter-relacionarmos nossas práticas. Abaixo
está o artigo que foi publicado nos anais do referente evento.
TEATRO DO OPRIMIDO PARA FORMAÇÃO E
AUTOFORMAÇÃO DE SUJEITOS
BARROS, Graziele Soares de¹; DIAS, Mauricio
Mezzomo²; SILVEIRA, Fabiane Tejada da³.
¹Acadêmica de
Teatro – Licenciatura/UFPEL; ²Acadêmico de Teatro – Licenciatura/UFPEL;
³Professora Adjunto no Curso de Teatro – Licenciatura – CeArt/UFPEL.
Resumo:
Este trabalho relata o estado da pesquisa realizada
pelos sujeitos envolvidos no projeto de extensão Teatro do Oprimido na
Comunidade. O projeto iniciado em 2010 tem como objetivo pesquisar a formação dos
alunos de Teatro-Licenciatura envolvidos, e a autoformação dos mesmos e dos
demais sujeitos engajados. Atualmente são oferecidas oficinas de Teatro do
Oprimido na comunidade Z3 para crianças de 12 a 15 anos.
Nossa pesquisa tem como base a experiência
no Projeto de Extensão Teatro do Oprimido na Comunidade (TOCO), que leva
oficinas de teatro para bairros periféricos da cidade de Pelotas. A partir
deste projeto buscamos a relação entre o Teatro do Oprimido – técnica teatral
elaborada por Augusto Boal para democratização do teatro – e a formação e
autoformação dos sujeitos envolvidos.
Quando discutimos o conceito de formação em
nosso estudo, nos referimos à formação de professores de teatro, pois os
acadêmicos ministrantes das oficinas nos bairros, estudam no Curso de
Teatro-Licenciatura da UFPel. O conceito de autoformação é trabalhado a partir
das reflexões feitas com os acadêmicos e os demais sujeitos envolvidos com o
teatro que participam do projeto nos bairros.
Augusto Boal pretende um teatro do Oprimido,
que seja “[...] DOS oprimidos, PARA os oprimidos, SOBRE os oprimidos e PELOS
oprimidos [...]” (BOAL, 2011, p.30). Isso que Boal propõe já nos mostra uma
grande preocupação com as biografias dos sujeitos - que são produtores de um
teatro que os revela - e um grande interesse na apropriação das técnicas do
fazer teatral por esses, sejam eles atores ou não atores. O teatro do oprimido
não é apenas mais uma forma de arte, mas um projeto de emancipação de vidas.
Boal quer dar a todos o direito da ação no
teatro, ou seja, fazer com que espectadores não mais sejam apenas passivos
perante a cena. Ao colocarmos biografias em ação, em um mesmo espaço e tempo -
com o intuito dos sujeitos refletirem-se na própria ação - já estamos
provocando o processo de formação e autoformação. Nas oficinas ministradas pelo
TOCO procuramos, a partir da sensibilização corporal, compartilhar experiências
teatrais e de vida. Quase nunca precisamos correr atrás das opressões, elas
surgem espontaneamente através do contar-se na ação, ou como diria Gianni
Rodari, “com as estórias e os procedimentos fantásticos para produzi-las,
estamos ajudando as crianças a entrar na realidade muito mais pela janela que
pela porta. É mais divertido, e [sic], portanto mais útil.” (RODARI, 1982,
p.30) O que propomos a maioria das vezes é fazer com que os participantes da
oficina tenham a oportunidade de entrar na realidade através da janela, ou
seja, de forma indireta, mais prazerosa do que pela porta.
Nosso objetivo é proporcionar a elaboração
de narrativas pessoais provocadas pela prática do Teatro do Oprimido e através
delas identificar os pressupostos teórico-metodológicos que fazem interface com
teatro e educação e, desta forma, enriquecer os conhecimentos produzidos na
área das pesquisas autoformativas - pensando sempre que a formação do sujeito
se dá a partir da tomada de consciência de si no próprio processo, ou seja, a
formação não é um produto acabado. Nossos sujeitos são os futuros professores
de teatro e os participantes das comunidades atingidas pelo projeto TOCO.
No início do trabalho da extensão na
comunidade criamos um ambiente propício para a construção de saberes e de
conhecimentos, para que a todo tempo, enquanto estamos em atividade teatral os
sujeitos façam a relação com o que vivem e com o que viveram, buscando com tais
atividades cênicas que os sujeitos reflitam sobre o processo de autoformação. A
pesquisa qualitativa, com observação participante e coleta de narrativas, orais
e escritas, das pessoas envolvidas nos projetos, nos pareceu o melhor método
para identificar quais foram as relações feitas pelos sujeitos da pesquisa, já
que a narrativa proporciona a produção do saber, e não seu consumo.
Trabalhamos com pesquisa bibliográfica
durante todo o processo de desenvolvimento das oficinas nas comunidades, tendo
em vista que os sujeitos, futuros professores envolvidos com a pesquisa,
utilizam este referencial teórico para construir suas relações com a prática da
comunidade. Essa metodologia possibilita que a partir de nossas reflexões pessoais
sobre nossa práxis possamos dar novos significados ao que aprendemos, tornando
ressignificado o conhecimento.
o método
autobiográfico tem-se mostrado como opção e alternativa às disciplinas das
ciências humanas, para fazer mediação entre a história individual e a história
social, visto que, “o seu caráter essencial, é a sua historicidade profunda, a
sua unicidade” ao afirmar que toda práxis humana é reveladora das apropriações
que os indivíduos fazem das relações e das próprias estruturas sociais, para
ele podemos conhecer o social a partir da especificidade irredutível de uma
práxis individual. (MOURA apud. SILVEIRA, 2010, p.2)
Para produzir as reflexões autobiográficas
utilizamos de narrativas orais e escritas, pois tanto uma quanto outra têm seu valor
enquanto produção de saberes. O saber científico se dá através de conceitos
escritos, já o saber popular através das narrativas orais, ambos formam os
sujeitos e promovem reflexões. “Saber narrar é não apenas exercício de memória,
mas é também estimular a tomada de posição” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991, p. 28). A
narrativa provoca a reflexão e pode ser compreendida também como uma forma de
ação.
O projeto TOCO existe desde 2010 e surgiu
da vontade de acadêmicos da Licenciatura em Teatro de colocar na prática os
ensinamentos de Boal. Desde então o projeto já passou por duas comunidades:
Dunas e Z3. Foi em 2011 então que se criou o Grupo de Estudos e Pesquisas em Teatro,
Educação e Práxis Social, para que pudéssemos criar um material bibliográfico
sobre nossas atuações. Dentro dessa temática surgiu a pesquisa sobre formação e
autoformação dos sujeitos relacionados ao projeto. Atualmente trabalhamos na
comunidade da Z3 atendendo a crianças de 12 a 15 anos que têm interesse em
fazer teatro.
Dentro de nossas oficinas trabalhamos com
as técnicas de Augusto Boal, mas também com outros autores teatrais, fazendo
com que metodologias diferentes tenham o mesmo objetivo: torná-los sujeitos da
ação. Isso porque procuramos desenvolver o que Boal (2011) chama de “plano geral
da conversão do espectador em ator”, que conta com 4 etapas: conhecimento do
corpo, tornar o corpo expressivo, o teatro como linguagem e o teatro como
discurso. Isso porque acreditamos que a consciência corporal e lúdica faz com
que as pessoas reflitam sobre sua realidade, sem que seja necessário
explicitarmos essa busca, tornando o processo orgânico e natural.
Dentro de nossos referenciais teóricos
encontramos também Paulo Freire e a educação popular como eixo norteador. Um de
seus ensinamentos válidos em nossa prática é o uso da cultura que o sujeito nos
traz. Dessa forma nossas oficinas se dão de acordo com a vontade dos envolvidos
no processo, que coincidem com os nossos objetivos. Nesse projeto não buscamos
uma cartilha fechada de metodologias prontas para serem aplicadas, não
utilizamos os chamados “pacotes” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991), muito pelo contrário
organizamos o saber de acordo com as oficinas. “Esse saber organizado se compõe
a partir de situações de reconhecimento.” (FREIRE; NOGUEIRA, 1991, p. 27).
Além disso, para nós acadêmicos esse é um
projeto rico, pois agrega: teoria, prática sobre a teoria e experiência de
vida. É esse o diferencial do projeto e o que faz com que nós também sejamos
sujeitos da ação, pois não estamos inseridos como meros transmissores de
conhecimentos, se não que também estamos em constante aprendizado e
autoconhecimento. Como diz Freire em seu livro A Pedagogia da Autonomia (1996):
“Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção”(p.47).
O TOCO é um projeto que está em andamento e
que ainda tem muitos caminhos a percorrer. Isso porque o processo de formação e
autoformação dos sujeitos pelas técnicas do oprimido precisam de tempo para
reconhecimentos, reflexão e ação. Ainda nesse projeto precisamos ir à busca de
maior referencial teórico para auxiliar-nos em nossa prática. Também é
necessário um tempo maior com o grupo o qual estamos trabalhando na Z3 para que
seja possível o levantamento de dados referente à pesquisa com aqueles
sujeitos.
O trabalho do TOCO é comprometido com o
trabalho na comunidade e visa à promoção de meios para a formação de sujeitos
capazes de se pensarem no mundo, de agirem e promoverem transformação social.
Através da metodologia que nos apropriamos, buscamos formar sujeitos a partir
de suas histórias de vida. Ao narrar-se em ação o sujeito se percebe e se
transforma. Deparando-se com outras histórias que convergem, e ao mesmo tempo,
divergem da sua, o ser da ação promove sua própria formação. O processo onde se
encontram educadores e educandos em um mesmo tempo e espaço, trazendo para esse
suas autobiografias, é inevitavelmente formador e autoformador para ambos.
REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. Teatro
do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer – Teoria e Prática em Educação
Popular. Petrópolis: Vozes, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia
da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996
SILVEIRA, Fabiane Tejada da. Revisitando pressupostos histórico-filosóficos para pensar a pesquisa
autobiográfica nos processos formativos. In: Anais do VI CICLO DE ESTUDOS –
EDUCAÇÃO E FILOSOFIA: TEM JOGO NESSE CAMPO?, UFPel -Pelotas, 2010.
RODARI, Gianni. Gramática
da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982.
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