domingo, 26 de maio de 2013

XV Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire

Na semana passada aconteceu na cidade de Taquara/RS o XV Fórum de Estudos Leituras de Paulo Freire. O projeto Teatro do Oprimido na Comunidade participou do fórum apresentando o trabalho intitulado "A EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA DE PAULO FREIRE E O ENSINO DE TEATRO NA ESCOLA RAPHAEL BRUSQUE" escrito pelas tocomanas Graziele Barros e Fabiane  Tejada. O evento que iniciou na quinta-feira traz em sua composição participantes de muitas universidades gauchas, bem como pesquisadores de outros estados. O Fórum proporciona a troca de experiência entre pesquisadores de Paulo Freire. Ano que vem a Universidade Regional Integrada (URI) de Santo Ângelo irá sediar o evento. Abaixo segue o texto publicado nos anais do evento.



A EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA DE PAULO FREIRE E O ENSINO DE TEATRO NA ESCOLA RAPHAEL BRUSQUE

Graziele Soares de Barros
Fabiane Tejada da Silveira
Universidade Federal de Pelotas – UFPEL
graziele.barros@yahoo.com.br
ftejadadasilveira@ig.com.br
Eixo de Diálogo: PAULO FREIRE e a arte, a cultura e a educação interdisciplinar.

Resumo:
Este texto pretende expor os conceitos da pesquisa que tem a finalidade de apontar os princípios que tornam possível o ensino de teatro por meio da educação problematizadora de Paulo Freire, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Raphael Brusque, no primeiro semestre letivo de 2013. A referente escola situa-se em Pelotas na comunidade Z3, uma colônia de pescadores. O objetivo dessa investigação é proporcionar o ensino de teatro baseado na problematização e indicar os elemento essenciais para tal prática. Nessa escola não houve até o presente momento uma educação teatral com essa abordagem, o que torna curioso estudar o que a viabiliza. Tais aulas serão ministradas pela pesquisadora Graziele Barros. A escola, neste momento, disponibiliza uma vez por semana um espaço para aulas de teatro durante um turno e essas se dão dentro do currículo de artes para alunos do sétimo ano.
Palavras-chave: teatro na escola; educação problematizadora; Paulo Freire.

Texto Completo:
O ensino de teatro calcado nas bases da educação problematizadora de Paulo Freire é o principal tema da pesquisa que se pretende fazer na Escola Municipal de Ensino Fundamental Raphael Brusque. Sendo assim, iremos trabalhar com aulas de teatro que tragam em sua metodologia um ensino que abra espaço para o aluno pensar, questionar e opinar, ou seja, um ensino baseado no diálogo e no respeito pelo saber do outro.
Dessa forma, ofereceremos oficinas teatrais semanalmente para os alunos do sétimo ano com encontros nos horários curriculares da disciplina de Artes. Esse espaço se abriu a partir do projeto de extensão Teatro do Oprimido na Comunidade (TOCO)[1], do qual nasceu essa pesquisa. O TOCO busca oferecer oficinas de teatro do oprimido[2] para bairros periféricos da cidade de Pelotas.
Essa escola, especificamente, nunca teve aulas de teatro com o objetivo de problematizar a realidade dos educandos e utilizar jogos teatrais[3] para embasar tais questionamentos. As aulas de teatro que tinham antes eram baseadas na montagem de espetáculo, ou seja, decorar textos e papéis e apresentar uma peça. Pelo fato de não haver até então uma abordagem calcada nesses jogos é que nos parece interessante buscar o que pode viabilizar esse ensino problematizador. Seria então uma busca pelas transformações do comportamento dos jovens a partir da metodologia teatral aqui destacada e a relação corpo-espaço que proporciona esse câmbio. Cabe destacar a importância do apoio da direção da escola, bem como do corpo docente para que o trabalho repercuta nas relações estabelecidas nesse espaço educativo.
O projeto TOCO já atua na Raphael Brusque desde o meio do ano de 2012 com oficinas extracurriculares. No entanto, notou-se que não havia interesse dos alunos pelas aulas fora do horário de aula. Conversando com o professor de artes desse estabelecimento pensou-se que talvez essa evasão aconteceu pela falta de informação dos alunos sobre o que é teatro. Para sanar essa preocupação achou-se por bem encaixar as oficinas no horário curricular. A direção dessa instituição nos mostrou apoio e interesse pela ideia, o que proporciona motivação para efetivar o trabalho. Sabe-se que o ensino de teatro é muitas vezes entendido como complementar à formação do aluno, mas não essencial. O fato de a escola ter a percepção de que era necessário que o teatro fosse transferido para o horário curricular nos mostra que ali se pensa diferente, e que eles compreendem a real importância desse ensino no currículo.
A escola em questão se localiza em uma colônia de pescadores na zona rural da cidade de Pelotas, sul do estado do Rio Grande do Sul. Os alunos que a frequentam também são todos provindos dessa colônia, e os professores em sua maioria são oriundos da zona urbana dessa mesma cidade. A estrutura física da escola tem alguns pequenos problemas por ser uma construção mais antiga. Além disso, a escola é pequena. Ao todo são onze salas de aula, sete salas administrativo-pedagógicas, um refeitório e duas salas para o programa Mais Educação[4].
A gestão da escola foi quem abriu as portas para que o TOCO fizesse um trabalho ali, com o intuito de trazer novas abordagens pedagógicas para o currículo. De acordo com a nossa avaliação, a gestão propõe uma relação dialógica com o corpo docente, pois sua postura ao ouvir as preocupações dos professores e tentar solucionar os problemas em conjunto demonstra essa vontade pelo diálogo, o que traz para a pesquisa um ponto favorável. Além disso, a gestora é moradora da colônia Z3 e também faz parte do corpo docente, o que, acredita-se, proporciona esse diálogo de fato.
Quanto aos professores da escola, ainda não tivemos muitas oportunidades de interação, mas nos pareceu no geral um grupo interessado no trabalho que faz. Apesar disso, trazem alguns discursos sobre certa “hierarquia de disciplinas”. Em algumas visitas que fizemos à escola notou-se que o modelo de ensino ainda se dá de acordo com a importância de disciplinas, como português e matemática. Tanto na quantidade de períodos, quanto no tempo para correções de provas, essas disciplinas têm preferência, pois há um consenso de que são matérias mais importantes do que as outras. Isso nos fez refletir sobre a necessidade de um trabalho baseado na afirmação da disciplina de arte como um espaço de construção de conhecimento efetivamente relevante para a vida do aluno.
Esses são alguns pontos que nos levaram a crer que seria justificável um trabalho de teatro que buscasse essa raiz freireana, com o objetivo de traçar caminhos que proporcionem um ensino que faça sentido para essas crianças, que lhes dê essa experienciação estética[5]. O objetivo desse estudo é primeiramente propiciar um espaço no qual os sujeitos dessa pesquisa se valham dos conteúdos teatrais e de fato se utilizem dele para seu crescimento pessoal.
Para além desses objetivos, buscamos verificar o que faz acontecer o diálogo em sala de aula, pois é a partir dele que se constrói a educação problematizadora. Segundo Freire (1987), a essencialidade do diálogo está no amor, na humildade e na nos homens, pois sem um desses elementos não se é possível o diálogo.

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este eliminar de confiança entre seus sujeitos. (FREIRE, 1987, p. 81).[6]

Dessa forma, o ensino problematizador com base no diálogo deve partir primeiramente da postura do professor para com o aluno. Ou seja, o educador que busca essa forma de agir deverá ter em sua concepção de mundo características da dialogicidade, já que ao se deparar com o problema real é preciso buscar a pergunta que melhor o envolva para que se faça o diálogo. Isso não se faz apenas na teoria como também na prática. Não se pode esquecer da práxis[7] necessária para a educação problematizadora baseada no diálogo e isso é o mesmo que dizer que não basta ser dialógico da porta da sala de aula para dentro, é preciso ser em sua vida.
O amor de que Freire fala seria um sentimento para o mundo, não apenas para os selecionados que estão em aula. Segundo o autor, seria um ato de coragem amar o mundo. Partindo da premissa de que amamos o mundo nós lutamos para transformá-lo em conjunto com o outro, e por isso amar além de ser o respeito ao outro é também dialogar com o outro.
O conceito de humildade que Paulo Freire comenta é no sentido do respeito pelo conhecimento do outro. Na concepção do autor, um não pode acreditar que seu conteúdo a ser passado deve ser mais importante do que o que vai aprender com o outro. Ou seja, não há diálogo se os sujeitos não se entenderem como complementares.
Por fim, a nos homens é necessária para que o diálogo nunca se finde, uma vez que somente acreditando na capacidade dos homens de refletirem sobre seu mundo e o transformarem é que vamos insistir nesse ensino dialógico. Esse ponto parece uma síntese dos dois anteriores, pois se temos amor pelo mundo e se nos acreditamos complementares certamente criaremos essa fé. O resultado desses três elementos é a confiança que se instaura entre educandos e educadores, pois sem ela o diálogo seria impossível. O autor ressalta:

A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que falharam as condições discutidas anteriormente. Um falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada fé nos homens não podem gerar confiança. [...] Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiança. (FREIRE, 1987, p.82).

O ato do diálogo é um momento de doação, já que ali cada vez que o sujeito se coloca, dá sua opinião, mostra para o outro sua face, parte de si. Desta forma, não é possível que um se sinta à vontade para compartilhar sua verdade com o outro se não lhe tem confiança.
Outra questão importante de se ressaltar sobre o ensino problematizador é que ele se dá em tudo que envolve a aula. Sendo assim, o planejamento das aulas, a escolha dos conteúdos programáticos, o relacionamento com os alunos e toda metodologia de sala de aula devem envolver essa concepção da problematização. Por isso, também os conteúdos e conceitos do teatro escolhidos para a aula a ser ministrada devem ser vinculados a esse caráter que dê abertura ao diálogo.

[...] uma metodologia que não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora. Daí que seja igualmente dialógica. Daí que, conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos "temas geradores" e a tomada da consciência dos indivíduos em torno dos mesmos. (FREIRE, 1987, p. 87).

Um educador humanista jamais escolherá seus conteúdos programáticos baseados na sua visão de mundo ideal, mas sim nas problematizações feita por seus educandos. É necessário que o docente conheça os estudantes e a partir da visão de mundo deles é que se escolherão conteúdos a serem pensados. Utiliza-se aqui a expressão “pensados”, porque também não é natural da ação problematizadora aplicar conteúdos, mas sim pensá-los e refleti-los em conjunto com os educandos.
Dessa forma, parece adequado vincular o ensino de teatro fundamentado no Teatro do Oprimido e nos jogos teatrais. Tais pedagogias se baseiam no fazer teatral autônomo, no qual indivíduos a partir das suas vivências e experiências e na interação com o outro, criem sua própria trajetória artística e experiencie com seu próprio corpo essa outra forma de expressão.

Nesse sentido, a produção do conhecimento se dá através da vivência, da ação, da reflexão crítica, da curiosidade, da relação com o que se quer aprender. Na atividade de jogo teatral, o jogador é estimulado a desenvolver o seu conhecimento sobre determinado objeto, a partir das suas experiências pessoais. (SILVEIRA, 2008, p. 172).

No ensino de teatro baseado no jogo cada aluno solucionará o jogo da forma que acreditar mais adequada. Por exemplo, no jogo “Ação-Narração” (SPOLIN, 2010) um dos participantes conta uma história de sua invenção, enquanto os seus colegas interpretam essa história sem palavras, apenas com o corpo, sem que alguém lhes diga como fazer isso. Por esse motivo o teatro está profundamente ligado ao ato de “ouvir a palavra do outro” que pode ser pelo uso da fala, como por outro meio.
Além disso, o teatro traz em seus conteúdos a expressão corporal, ou seja, uma forma de linguagem baseada apenas do corpo. Tal conceito deve ser encarado como qualquer outro tipo de linguagem, pela qual todos nos expressamos. Se existe certa importância em ler e escrever para se comunicar com o mundo, aprender a expressar suas ideias, pensamentos e sentimentos, também com o corpo deveria-se ter o mesmo grau de relevância. A expressão corporal é apenas mais uma forma de diálogo.
Por fim, o teatro do oprimido prevê em sua teoria o mesmo que prevê a educação problematizadora: questionar a sua realidade para, a partir dela, dizer a sua palavra, que deve impulsionar a transformação da realidade.

A palavra enquanto compreensão exige a transformação e torna-se indissociável da necessidade de atuação: torna-se, pois, palavração, segundo o neologismo de Paulo Freire. A partir do momento em que alguém compreende e toma consciência do seu papel no mundo, sua transformação se torna inevitável e gera, portanto, uma ação para atingir tal fim. (ROSSATO, 2010, p. 325-326).

O teatro do oprimido busca trazer a realidade para a cena, fazendo com que esta seja questionada e transformada. Tal metodologia traz em seu arsenal um apanhado de técnicas que tem em seu cerne o objetivo de questionar o mundo. Dar o espaço para que as crianças digam sua palavra através da ação teatral é como se fosse um ensaio para a realidade.
Nossa prática em sala de aula será fundamentada a partir de tais conceitos da educação problematizadora, buscando sempre um ensino que tenha significação para o educando. Tal pesquisa se dará no decorrer do ano de 2013 e apontará características de um caminho a ser traçado quando se busca uma educação com esse princípio.

Referências:

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa Mais Educação. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12372&option=com_content&view=article/> Acesso em 08 Abr. de 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
ROSSATO, Ricardo. PRÁXIS. in: STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
SILVEIRA, Fabiane Tejada da. O jogo teatral na escola: uma reflexão sobre a construção de sujeitos históricos. Pelotas: Universitária UFPEL, 2008.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.




[1] O projeto TOCO surgiu em 2010 pela vontade que os acadêmicos do curso de Teatro-Licenciatura tinham de levar o que estavam aprendendo para as comunidades de Pelotas. Atualmente o projeto atua apenas na comunidade da Z3. O projeto que nasceu como extensão também deu origem a um projeto de pesquisa intitulado “O teatro do oprimido de Augusto Boal nos processos de formação e auto-formação”, coordenado pela professora Fabiane Tejada da Silveira do Centro de Artes da UFPel.
[2] O teatro do oprimido é um arsenal de técnicas e jogos teatrais que buscam a libertação do oprimido por meio da ação teatral (BOAL, 2006).
[3] O jogo teatral é um conceito elaborado nos anos 60 pela americana Viola Spolin. Tal conceito prevê uma atividade em grupo que proporcione aos que dela participam aquisição da linguagem teatral. O arsenal de jogos teatrais que Spolin sistematizou proporciona uma busca pela criatividade na solução de “problemas” cênicos. Tais jogos estão calcados na ação, e não na palavra. (SPOLIN, 2010)
[4] O programa Mais Educação busca desenvolver atividades fora do horário curricular para complementar a formação do educando. É oferecido pelo Ministério da Educação (MEC) em escolas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e que estão situadas em cidades com mais de 163 mil habitantes.
[5] Entende-se por experiência estética a vivência de um espetáculo ou objeto artístico a partir da ótica da estética teatral, que por sua vez, compreende-se como aquela que formula o que compõe determinada obra artística. (PAVIS, 2008).
[6] Grifos do autor.
[7] Práxis é um conceito que está presente em toda teoria freireana. Trata-se da união entre teoria e prática, ou seja, a partir da teorização que se faz a partir da problematização promovo uma ação transformadora. A partir da palavra coloco em prática a transformação. (ROSSATO, 2010).

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